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O país da burocracia quer matar o empreendedorismo

O país da burocracia quer matar o empreendedorismo
Rafael Cardoso
jun. 20 - 10 min de leitura
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O país da burocracia que quer matar o empreendedorismo parece gostar de  burrocracia. Por que o empreendedor precisa sofrer tanto com a confusão fiscal brasileira? Por que tantos preferem a informalidade? Por que empreender no Brasil é uma atividade pouco incentivada? Por que o brasileiro empreende em caráter de sobrevivência?

Estas questões precisam ser mais abordadas para entender a relação nociva entre a governança pública desqualificada e o bandeirante empreendedor da atualidade.

Você concorda com o termo bandeirante empreendedor?

Lembre-se das aulas de história que tivemos ao longo dos nossos primeiros anos como estudante. Não aprendemos que o início das explorações europeias ao interior do continente sul-americano eram realizadas pelos bandeirantes? Os exploradores que desbravavam as matas brasileiras sem o conhecimento do que vinha logo a seguir demonstram como os empreendedores vivem no Brasil.

Mesmo com a cultura românica do empreendedorismo levantada por instituições e entidades, o empreendedorismo é mais visceral, cru, escatológico do que os desavisados pensam. Empreender para muitos é condição de sobrevivência. Aliás, para muitos além de sua percepção natural como cidadão. A dificuldade é tanta na identificação destas realidades menos ortodoxas que hoje há pesquisas apontando a realidade da informalidade de pequenos e microempreendedores que fazem girar o dinheiro existente nas periferias das cidades, impactando diretamente na prosperidade ou não da comunidade municipal como um todo.

A falta de visão por parte do poder público, incluindo todas as instâncias, gera prejuízos diretos aos cofres públicos. Essa visão também demonstra como o cidadão está no meio de um fogo cruzado gerado pelo desespero ou ganância dos representantes municipais. A guerra fiscal entre municípios está impedindo ainda mais a formalidade do empreendedor que poderia ser mais um contribuinte.

A informalidade potencializa a guerra fiscal entre municípios

O que nossos gestores municipais ainda não perceberam é que a falta de incentivo para a formalidade do empreendedor gera falta de arrecadação. Afinal de contas, qual a vantagem para este empreendedor se tornar um legalizado contribuinte? Praticamente nenhuma! Isso porque este tipo de esclarecimento cai no discurso da punição.

O empreendedor que não for legalizado pode sofrer multas por realizar atividade sem autorização da prefeitura. O empreendedor que não estiver em dia com suas licenças e alvará, poderá sofrer punição e impedimento de trabalho.

Se isso fosse um discurso que resultasse em mais formalidade, as prefeituras não estariam sempre trabalhando com a expressiva menor arrecadação contrapondo a realidade dos segmentos. Hoje o empreendedor quer pagar a conta da luz, água, telefone. A prioridade de pagamento dos impostos está em seu último critério. Para o empreendedor, dói diretamente no bolso o pagamento de tributos. Afinal de contas, qual a percepção que ele tem sobre o retorno desta contribuição na sociedade?

Com a falta de arrecadação, mas a malha urbana sobrecarregada, o poder público sofre para fechar a conta. Portanto, como evoluir a governança pública se ela sofre para pagar a estrutura já sucateada em muitos departamentos?

Isso sem levar em consideração a corrupção existente em todas as instâncias públicas arraigadas num DNA muito mais amplo na cultura de poder público. Aqui não estou criando o espectro de desperdício monetário a partir das mazelas corruptivas pertencentes ao mecanismo, tal como José Padilha apontou na série O mecanismo, hoje disponivel na Netflix.

Se fosse possível ignorar a corrupção, teríamos já dificuldades em cobrir os gastos públicos municipais ditados por investimentos obsoletos, administração sem qualidade técnica, falta de políticas de incentivo e inoperância socioeconômica. O que gera tudo isso? Falta de dinheiro na esfera municipal para cobrir a conta. (sei que essa pequena reflexão pode até ser injusta com algumas prefeituras, mas meu ponto é demonstrar como a guerra fiscal surge).

Qual o ponto em questão na guerra fiscal entre os municípios?

Para tentar evitar a duplicidade de pagamento de impostos, algo que já acontece bastante na sociedade brasileira, surge o CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios). Esse sistema, que burocratiza mais ainda a vida do empreendedor) tenta evitar o recolhimento do ISS, imposto municipal, por parte dos prestadores de serviços. Poderia até ser um paliativo, se não fosse iniciativa brasileira.

Para piorar a vida do empreendedor, cada cidade tem regras próprias para fazer o cadastro do CPOM, ou seja, a empresa prestadora de serviços, caso queira operar formalmente, precisa obedecer as regras de cadastro relativas àquele município. Veja a dificuldade de quem opera em caráter de escala de negócios. Os fundadores de Startup podem quebrar a cabeça porque esse sistema está longe de ser escalável. O que isso prova? Vivemos uma governança autofágica.

Tal como um vírus que destrói o hospedeiro, a guerra fiscal entre as prefeituras brasileiras incentiva o vírus governamental matar o corpo que mais impulsiona o organismo financeiro do cidadão, ou seja, o empreendedorismo.

A falta de uma macro política fiscal produz distorções bizarras que parecem anedotas de antigos programas de humor. Como explicar para o empreendedor que ele deve recolher imposto sobre o serviço prestado fora de sua cidade sede? Isso significa que a empresa a atender clientes fora do município precisa pagar impostos duplicados, pois precisa atender a tributação do município ao qual o cliente está e também a tributação ao qual está sua sede, configurando assim dupla tributação.

Pagar impostos duplicados parece uma prática cada vez mais comum em nosso país. Basta perceber a finalidade do IPVA e a obrigatoriedade de pagamento do pedágio nas rodovias brasileiras. Outro exemplo é o pagamento do PIS pela relação trabalhista e o mesmo dentro de nossa própria conta corrente. O pagamento é tão bizarro que as próprias entidades reguladoras das leis não conseguem se manifestar contrapondo a aplicação destes tributos. Aí resta saber: quem zela pelo direito cidadão?

A guerra fiscal das Prefeituras

É importante ressaltar que a guerra fiscal entre as prefeituras deixa de ser um evento sadio de concorrência tributária (tal como a concorrência do campo do empreendedorismo) porque ela é impositiva. A chancela governamental impõe o pagamento de impostos sob pena de restrições ou consequência punitivas aos empreendedores. Isso quer dizer que as prefeituras são inconsequentes de qualquer responsabilidade cívica, pois ignora seu compromisso ético perante a comunidade que se beneficia diretamente dos investimentos e atividades associadas ao empreendedor. Como sustentar a bandeira da responsabilidade cidadã quando promove a arrecadação a qualquer custo?

As prefeituras disputam arrecadação entre si porque não existe regulamentação fiscal dentro do plano nacional. Aliás, o Estado poderia contribuir para a organização tributária se organizasse internamente estas distorções. No entanto, por conta de interesses políticos, os empreendedores sofrem com leis corrosivas à prática empreendedora. Como criar ambientes de prosperidade com interesses pouco cidadãos?

E se o Estado cortasse o IPVA?

Um belo exemplo de cidadania seria o Estado do Paraná abrir mão da cobrança do IPVA. Obviamente, a coragem deveria ser o vetor para enfrentamentos desta natureza. Porém, o político do executivo que fizesse este ajuste estaria lançando uma mudança de paradigma incrivel aos olhos do eleitor. Além disso, haveria a prática de comportamentos nobres capazes de restaurar a confiança da população na governança pública. Uma pena que isso seja um sonho.

Cortar um tributo de arrecadação pode ser um ato de irresponsabilidade, segundo os ortodoxos economistas. Afinal de contas, as contas não fecham (perdoe meu trocadilho). Entretanto (em busca de outros advérbios), devemos levar em consideração que a solução para o fechamento de contas públicas não pode surgir de tributos distorcidos pela inabilidade histórica da administração pública. Que haja outra opção. Que tal cortar mais gastos? Que tal criar planos de investimentos para comunidades com projetos socioeconômicos? Que tal fomentar mais giro de capital pela comunidade com eventos qualificados? Há tantas opções para quem privilegia a criatividade que oprimem os discursos cartesianos.

A atitude de cortar gastos sobre a máquina pública pode não ter tanta força real no orçamento anual, mas cria uma cultura diferente e propositiva. Fomentar novas perspectiva éticas faz parte do nosso compromisso de reconstruir a sociedade brasileira.

Faz sentido para você esse ponto de vista?

O que fazer com o sistema tributário?

Essa realmente deveria ser a discussão a ser promovida. Quem precisa contribuir com isso deve promover a discussão sobre soluções mais duradouras. É uma destas soluções está dentro da reforma tributária que simplifica as arrecadações fiscais. Isso é tão relevante que impacta em todas as esferas do país. Com a simplificação dos tributos, poderemos ter menos inadimplência de tributos por parte dos empreendedores, maior controle dos tributos arrecadados (evitando a corrupção indiscriminada), maior versação dos investimentos a serem realizados, melhor oportunidade para os empreendedores e mais facilidade de prosperidade dos negócios, independente de seu tamanho ou segmento.

O deputado Luiz Carlos Hauly faz anos que estuda um modelo para a reforma tributária e hoje está bem perto de aprovar esta reforma. No entanto, o poder público insiste em evitar este debate em época de eleições. Mesmo com a evangelização do deputado paranaense, trazendo apoios importantes do setor financeiro, instituições bancárias, entidades representativas e representantes da sociedade, ainda assim é um debate mais cívico e pouco simpático pelos governantes do executivo que olham para seus sistemas de arrecadação.

Há uma mudança de paradigma a ser construído. Resta saber se ele será viável para salvar a depressão do empreendedor que não aguenta mais viver essa vida de bandeirante.


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